“Não morre aquele que deixou na Terra a melodia
de seu canto na música de seus versos”
O motivo da
última ceia foi a preparação da ausência... Foi a oportunidade que Jesus teve
de sacramentar em seus discípulos a coragem da continuidade. Nada mais bonito
que preparar a ausência com um jantar entre amigos! O prato principal não era
material... Do que eles precisavam era aprender a mística do alimento: nós nos
transformamos no que comemos. O que Jesus propunha não era um ritual de
antropofagia. Comer e beber juntos significa estarmos comprometidos. O banquete
não é lugar para saciar somente a fome do corpo, mas também a fome da alma. Ao
estar com os que amo para me alimentar, de alguma forma eu os trago para dentro
de mim.
Ao interpretar a
transcendência do amor interpessoal, o filósofo Gabriel Marcel intuiu que amar
consiste em olhar o amado nos olhos e dizer: tu não morrerás jamais. Ele pode
ter aprendido isso ao contemplar a última ceia. Cora Coralina disse a mesma
coisa, mas com palavras diferentes: “não
morre aquele que deixou na Terra a melodia de seu canto na música de seus
versos”. O amor nos socorre do esquecimento, retira o poder definitivo da
lápide porque sobrevive na continuidade do que plantamos. Por isso, a ausência
é lugar de encontro, basta exercer a força da visão poética, a via que costuma
salvar o mundo de seus desesperos e ruínas... Uma bonita expressão atribuída a
São João da Cruz, o grande místico cristão, nos diz que o que podemos conhecer
de Deus são as pegadas de sua ausência. Uma frase que desconcerta os religiosos
ávidos por sinais concretos. O que temos de Deus são vestígios, por isso é tão
importante não perder o desejo de procurar. Encontrar respostas é satisfação
temporária, o bom mesmo é a investigação que nos mobiliza. As teologias nascem
dessas ausências. É a partir delas que as teologias postulam as suas verdades,
porque a ausência é uma categoria cheia de sugestões.
Talvez eu não
tenha dito absolutamente nada. Não importa. O mais importante de tudo isso é
que pensei nos sobrados que já reconstruí dentro de mim. Ausências as quais
aprendi a atribuir sentido, sofrimentos que antes eram capazes de me sepultar e
que agora me sugerem a experiência de plantio de flores. Sobre o que falei?
Ainda não sei. Vou seguir o conselho do poeta, vou conviver com ela e saborear
o seu poder de silêncio antes de encontrar as palavras que possam dizê-las ao
mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Num mundo que se faz deserto, temos sede de encontrar um amigo. Obrigada por comentar!