sábado, 1 de setembro de 2012

Sem susto

“Não morre aquele que deixou na Terra a melodia de seu canto na música de seus versos”


O motivo da última ceia foi a preparação da ausência... Foi a oportunidade que Jesus teve de sacramentar em seus discípulos a coragem da continuidade. Nada mais bonito que preparar a ausência com um jantar entre amigos! O prato principal não era material... Do que eles precisavam era aprender a mística do alimento: nós nos transformamos no que comemos. O que Jesus propunha não era um ritual de antropofagia. Comer e beber juntos significa estarmos comprometidos. O banquete não é lugar para saciar somente a fome do corpo, mas também a fome da alma. Ao estar com os que amo para me alimentar, de alguma forma eu os trago para dentro de mim.

Ao interpretar a transcendência do amor interpessoal, o filósofo Gabriel Marcel intuiu que amar consiste em olhar o amado nos olhos e dizer: tu não morrerás jamais. Ele pode ter aprendido isso ao contemplar a última ceia. Cora Coralina disse a mesma coisa, mas com palavras diferentes: “não morre aquele que deixou na Terra a melodia de seu canto na música de seus versos”. O amor nos socorre do esquecimento, retira o poder definitivo da lápide porque sobrevive na continuidade do que plantamos. Por isso, a ausência é lugar de encontro, basta exercer a força da visão poética, a via que costuma salvar o mundo de seus desesperos e ruínas... Uma bonita expressão atribuída a São João da Cruz, o grande místico cristão, nos diz que o que podemos conhecer de Deus são as pegadas de sua ausência. Uma frase que desconcerta os religiosos ávidos por sinais concretos. O que temos de Deus são vestígios, por isso é tão importante não perder o desejo de procurar. Encontrar respostas é satisfação temporária, o bom mesmo é a investigação que nos mobiliza. As teologias nascem dessas ausências. É a partir delas que as teologias postulam as suas verdades, porque a ausência é uma categoria cheia de sugestões.

Talvez eu não tenha dito absolutamente nada. Não importa. O mais importante de tudo isso é que pensei nos sobrados que já reconstruí dentro de mim. Ausências as quais aprendi a atribuir sentido, sofrimentos que antes eram capazes de me sepultar e que agora me sugerem a experiência de plantio de flores. Sobre o que falei? Ainda não sei. Vou seguir o conselho do poeta, vou conviver com ela e saborear o seu poder de silêncio antes de encontrar as palavras que possam dizê-las ao mundo.
 

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