sábado, 28 de maio de 2011

Ponto final.


Uma mulher contou-me sua história de dor. Ela perdeu um filho com alguns meses de vida, engasgado com mingau. Perdeu um sobrinho queimado e um neto afogado. Ela queria que eu explicasse porque essa sina de tantas crianças mortas em sua família. Queria uma resposta. Queria saber se Deus, por algum motivo, tinha decidido castigá-la.

Pensei algumas vezes... Tentei formular alguns dizeres... Falar, apenas, que é preciso ter fé parecia não diminuir a angústia de uma vida de ausências arbitrárias. Ela, naturalmente, não tinha escolhido. Não houve decisão voluntária de se afastar das sementes que não chegaram a germinar. Porque com ela? E tantas vezes seguidas? Fiquei imaginando as reações, o desespero, o choro diante da criança, a culpa... Como reconstruir? Quebrando pedras e plantando flores? Como convencê-la disso?

Temi dar uma resposta pronta, fácil para uma vida tão dura, tão difícil. Tentei responder como alguns filósofos explicavam a morte e ela, inquieta, queria saber o que eu pensava do fim. É mais fácil dizer o que os outros dizem do que dizer o que a gente sente. Respondi dizendo que não sabia. Que o mistério da partida não tinha sido revelado a homem nenhum. Ela apenas me olhava, esperando que algo mais fosse dito. Não se tratava mais de uma pausa, tratava-se do fim. Pausas existem aos montes em nossa vida...

Enfim, o que disse foi que eu acreditava em Deus. Ela concordou com a cabeça dizendo que também acreditava. E eu me enchi de coragem e disse-lhe que ficasse tranquila. Se Deus existia, ele não nos trataria como um brinquedinho que quando velho ou estragado se joga fora e se coloca outro no lugar. Fomos feitos para muito mais do que isso. Ela sorriu.

De fato, Deus não nos fez pro nada, mas para a plenitude. Complexa demais para que nossa razão saiba explicar. Parece-me que não é possível não ter medo da morte. Por mais intensa e significativa que seja a nossa fé, por maior que seja a nossa intimidade com Deus, esse mistério incomoda profundamente. Porque não nos foi revelado em momento nenhuma o que viria depois? Não seria menos doloroso? Não viveríamos com mais serenidade? Porque essa espera?

Uma vez ouvi uma metáfora de um padre no enterro de um filho único de uma mulher octogenária. Diante da dor, ele dizia do inverno da Europa. No velho continente as flores morrem quando o frio chega. Os ramos secos mostram que a vida ficou no passado... Ledo engano, dizia o padre. Na primavera elas ressurgem, miraculosamente. Se não soubessem disso, talvez perdessem a esperança de ver novamente o jardim florir. A morte é a primavera da alma. O que parece ser o fim da vida é vida em transformação. Será isso? Porque o mistério? Porque não sabermos antes, com detalhes, o que virá depois? Se somos eternos, porque precisamos passar pela morte? Não poderíamos ter nascido todos no céu e sermos todos felizes de uma vez? Quem decidiu assim? Deus?

Não soube o que dizer para a mulher, apenas ensaiei alguma poesia para aliviar o seu provável pranto e lasquei outras histórias, também tristes, que talvez a consolassem. Ao final, disse-lhe para não se esquecer de que continuava viva e que todas essas crianças viviam nela em um lindo céu, que eu não tinha o poder de descrever. Até porque não se tratava de um lugar, mas de um estado de amor.

“Eu perco as chaves de casa,
Eu perco o freio.
Estou em milhares de cacos,
Eu estou ao meio.
Onde será que você está agora?”

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