A que atribuir a
frequência da cor vermelha no trajo das mulheres do interior, principalmente no
Nordeste e na Amazônia?
Trata-se de um
costume místico, de proteção ou de profilaxia do indivíduo contra espíritos ou
influências más. Mas a influência maior parece ter sido a do índio, para quem a
pintura do corpo de encarnado (urucu) nunca foi a expressão de simples gosto de
bizarria que pareceu aos primeiros cronistas. Sem desprezarmos o fato de que
pintando-se, ou antes, untando-se do oleoso urucu, parece que se protegiam os
selvagens durante a caça ou a pesca, da ação do sol sobre a pele, das picadas
de mosquitos e de outros insetos e das oscilações de temperatura, encontramos a
pintura do corpo desempenhando entre os indígenas do Brasil função puramente
mística, de profilaxia contra os espíritos maus, e, em número menor de casos,
erótica, de atração ou exibição sexual. E como profilaxia contra os espíritos
maus era o encarnado cor poderosíssima.
Aos portugueses
parece que a mística do vermelho se teria comunicado através dos mouros e dos
negros africanos; e tão intensamente que em Portugal o vermelho domina como em
nenhum outro país da Europa, não só o trajo das mulheres do povo como
profilaxia contra malícias espirituais, várias outras expressões da vida
popular e da arte doméstica. Vermelho deve ser o telhado das casas para
proteger quem mora debaixo deles:
As telhas do teu telhado
São vermelhas, têm virtude.
Passei por elas doente,
Logo me deram saúde.
É a cor que se
pintam os barcos de pesca, os quadros populares dos milagres e das alminhas,
os arreios dos muares, as esteiras; de que se debruam vários produtos da
indústria portuguesa; a que se usa, por suas virtudes miríficas, nas fitas em
torno do pescoço dos animais. Embora já um tanto perdida entre o povo a noção
profilática do vermelho, é evidente que a origem dessa predileção prende-se a
motivos místicos. E é ainda o encarnado entre os portugueses a cor do amor, do
desejo de casamento.
Nos africanos,
encontra-se a mística do vermelho associada às principais cerimônias da vida,
ao que parece com o mesmo caráter profilático que entre os ameríndios.
Nos vários
Xangôs e seitas africanas que temos no Recife e seus arredores, é o vermelho a
cor que prevalece, notando-se entre os devotos homens de camisa encarnada. Nos
turbantes, saias e xales das mulheres de Xangô domina o vermelho vivo.
Nos nossos
maracatus e reisados, o rei do Congo ou a rainha aparece sempre de manto
vermelho; e encarnados são sempre os estandartes, com cabeças de animais ou
emblemas de ofícios pintados ou bordados a ouro, dos clubes populares de
carnaval.
Mas o que se
pode concluir é ser a preferência pelo encarnado no brasileiro um traço de
origem principalmente ameríndia. O selvagem considera os grandes inimigos do
corpo não os insetos e bichos, mas os espíritos maus. Estes o homem primitivo
imagina sempre à espreita de oportunidade para lhe penetrarem no corpo: pela
boca, pelas ventas, pelos olhos, pelos ouvidos, pelo cabelo. Importa, pois, que
todas essas partes consideradas as mais críticas e vulneráveis do corpo, sejam
particularmente resguardadas das influências malignas. Daí o uso de botoques,
penas e fusos atravessados no nariz ou nos lábios; de pedras, ossos e dentes às
vezes pintados de preto. Tudo para esconjurar espíritos maus, afastá-los das
partes vulneráveis do homem.
Os índios
costumam besuntar o cabelo de encarnado para poderem tomar parte em danças e
cerimônias fúnebres – ocasiões em que o índio se sente particularmente exposto
à ação maléfica do espírito do morto e à de outros espíritos, todos maus, que os selvagens julgam soltar-se ou assanhar-se nesses momentos.
Qual fosse o motivo fundamental da preferência do selvagem da América pelo vermelho não é fácil de precisar: talvez o fato de ser a cor do sangue... Seria um substituto do vermelho do sangue.
"Vermelho, vermelhaço,
vermelhusco, vermelhante, vermelhão (...)
Vermelhou o curral,
a ideologia do folclore avermelhou!
Vermelhou a paixão,
o fogo de artifício da vitória vermelhou!"
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