sábado, 2 de abril de 2011

O silêncio do ainda não dito


Sabe, não gosto de respostas apressadas. Tenho medo de dizer sem dizer... Afinal, o que há de mais precioso nessa vida costuma ser vivido e experimentado a partir do silêncio frutuoso.

Carlos Drummond de Andrade, poeta mineiro que admiro profundamente, recomendava que antes de escrever os poemas é preciso conviver com eles. Ele insinuava que antes do nascer da palavra há sempre um sabor de silêncio que precisa ser solvido. Creio que o poeta tinha razão. A boa palavra se alimenta de silêncios e pausas. Um grande poema costuma nascer de profundas e fecundas experiências de contemplação da realidade.

O poeta, ao enxergar o silêncio do ainda não dito, diante dele se prostra e o experimenta. E somente depois o reveste de palavras. Minhas perguntas são religiosas. Elas buscam unir as pontas da corda que amarra a vida e a sustenta de sentido. Costumo dizer que a dor é uma quebra da corda, porque nos retira da segurança. Há acontecimentos que nos fazem mergulhar no absurdo da existência. O absurdo é a ausência de sentido. É o momento da vida em que a alma se sente penetrada e transpassada por uma dor lancinante. É no momento do desespero que experimentamos a nossa humanidade em suas dimensões mais venturosas.

Os exemplos já foram postos em momentos anteriores. Cora Coralina só foi a mulher que foi porque não fugiu dos absurdos do mundo. Deles fez poesia qualificada. A alma transliterada nos faz mergulhar nos recônditos de uma mulher que não viveu por acaso. A dor transmudada, redimida, purificada nos calvários da escrita que o ofício poético lhe reservou na velhice tem o poder de nos devolver a apetência do sonho.

Cora Coralina nos encoraja a enxergar as belezas que se escondem nas tristezas. Há um poema belíssimo em que ela narra à demolição do sobrado que marcou os áureos tempos de sua mocidade. A descrição minuciosa do acontecimento nos leva a experimentar os mesmos sentimentos que ela. Eu, que nunca havia pisado as soleiras do nobre sobrado, chorei com ela a movibilidade daquelas paredes tão frágeis.

Vez ou outra nós também presenciamos a demolição de nossos sobrados interiores. Vez ou outra precisamos encarar os monturos que restaram de nossas realidades... É o tempo e sua batuta implacável a reger os acontecimentos. É o inevitável e seus dentes afiados.

“Há certo gosto em pensar sozinho. É ato individual, como nascer e morrer”.
(Carlos Drummond de Andrade)

Um comentário:

  1. 'A boa palavra se alimenta de silêncios e pausas'.

    Nossa, que perfeito!
    O texto mais lindo que já li aqui, e olha: teus textos são sempre lindos.

    ResponderExcluir

Num mundo que se faz deserto, temos sede de encontrar um amigo. Obrigada por comentar!