domingo, 27 de março de 2011

Sobre acreditar


Um enigma espiritual. É assim que me chamam, pensou. Apesar de ter estudado religião durante anos, não era um homem religioso. Respeitava o poder da fé, a bondade das igrejas, a força que a religião dava a tantas pessoas. Entretanto, para ele, a suspensão intelectual da descrença que era imperativa se alguém verdadeiramente desejava “crer” havia sido sempre um obstáculo grande demais para sua mente acadêmica.

- Quero acreditar – ouviu-se dizendo.

- E por que não acredita?

Ele deu uma risadinha.

- Bem, não é assim tão fácil. Ter fé requer entrega, aceitação cerebral de milagres, como a imaculada conceição e a intervenção divina. E existem ainda os códigos de conduta. A Bíblia, o Corão, as escrituras budistas, em todos há exigências semelhantes e penalidades semelhantes. Determinam que se eu não viver de acordo com certo código, irei para o inferno. Não consigo imaginar um Deus que governe desta maneira.

- Espero que não deixe seus alunos se esquivarem de perguntas assim com tanta desfaçatez.

O comentário pegou-o desprevenido.

- O quê?

- Senhor, não perguntei se acredita no que o homem diz sobre Deus. Perguntei se acredita em Deus. Existe uma diferença. As escrituras sagradas são histórias... lendas e a história da busca do homem para compreender sua própria necessidade de significado. Não pedi que desse sua opinião sobre literatura. Estou perguntando se acredita em Deus. Quando se deita sob as estrelas, não sente a presença do divino? Não sente em seu íntimo que está diante da obra de Deus?

-Não, é que...

- O senhor com certeza deve debater assuntos de fé com seus alunos.

- Sem parar.

- E imagino que deva fazer sempre o papel do advogado do diabo. Sempre estimulando as discussões.

- Posso lhe fazer uma pergunta? Como cientista e filha de um padre católico, o que você pensa da religião?

- Religião é como um traje ou uma língua. Gravitamos em torno das práticas com as quais fomos criados. No final, porém, todos proclamamos a mesma coisa. Que a vida tem um sentido. Que somos gratos ao poder que nos criou.

- Então, está dizendo que ser cristão ou mulçumano depende do lugar onde se nasceu?

- Não é óbvio? Veja a difusão da religião pelo mundo afora.

- Quer dizer que a fé é aleatória?

- Dificilmente. A fé é universal. Nossos métodos específicos para compreendê-la são arbitrários. Algumas pessoas rezam para Jesus, outras vão a Meca, outras estudam partículas subatômicas. No final, estamos todos apenas buscando a verdade, aquela que é maior do que nós mesmos.

Ele gostaria de saber se expressar com aquela clareza!

- E Deus? – ele perguntou. – Você acredita em Deus?

- A ciência me diz que Deus tem de existir. Minha mente me diz que nunca vou compreender Deus. E meu coração me diz que não fui feita para isto.

Isto é que é concisão, pensou ele.

- Então, acredita que Deus é fato, mas que nunca o compreendemos.

- A compreenderemos – corrigiu ela, com um sorriso. – Seus índios nativos tinham razão.

Ele sorriu.

- A Mãe Terra.

- Gaea. O planeta é um organismo. Todos nós somos células com diferentes finalidades. No entanto, somos entrelaçados. Servindo uns aos outros. Servindo ao todo.
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2 comentários:

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