sábado, 5 de fevereiro de 2011

Das voltas que a vida dá


Hannah Arendt é uma das maiores filósofas da história do pensamento. Nasceu em Hannover, em 1906. Teve uma infância acalentada de todo o carinho e estímulo cultural necessários para uma vida de sucessos. Os pais eram judeus apaixonados pela liberdade que o respeito ao outro proporcionava. Leu em livros e aprendeu com exemplos o sentido de uma vida correta. Brincou de ser independente, de dizer o que pensava. Diferentemente de Cora Coralina, a infância de Hannah prenunciava uma vida sem grandes traumas. Embora tivesse perdido o pai muito cedo, a mãe a educou seguindo os melhores preceitos do amor e dos limites corretos para que a responsabilidade pelo outro, autodisciplina e a harmonia interna e externa não fossem abandonadas.

Sua vida, entretanto, começa a mudar com a Primeira Guerra Mundial de 1914. De uma infância segura e feliz a uma adolescência frágil. A mãe casou-se com outro homem e Hannah tornou-se triste e rebelde. O tempo foi passando até que em 1924, o filósofo Martin Heidegger aceitou orientar sua tese sobre o conceito de amor em Santo Agostinho. Hannah apaixonou-se perdidamente por Heidegger. Ela tinha 18 anos; ele tinha 35 anos, era casado e pai de 2 filhos. Foram amantes durante algum tempo quando ela, depois de tanto sofrer de paixão, resolveu pôr fim a história e se casar com outro homem.

Sem conseguir separar o amor dos embates filosóficos, Hannah passou a ser orientada por um outro pensador, amigo de Heidegger, Karl Jaspers. Esse professor tornou-se o exemplo de integridade moral e intelectual para a jovem Hannah. Depois da defesa do doutoramento, a alegria de ingressar na atividade docente foi subtraída pela ascensão dos nazistas ao poder. Sua grande frustração foi ver Heidegger, o homem que ela amou e admirou, apoiando os nazistas.

Hannah foi presa e depois conseguiu fugir ilegalmente para Paris, quando conheceu Walter Benjamin e outros judeus alemães refugiados do outro regime. Sua felicidade na cidade das luzes durou pouco. Os alemães invadiram Paris. E com Walter Benjamin e mais alguns amigos partiram para a fronteira com a Espanha. A fronteira estava fechada e não resistindo ao medo de ser pego pelos nazistas, Walter Benjamin suicidou-se.

Hannah assistia a partida de todos aqueles que admirava. A solidão e a dor não a destruíram. Da Espanha, Hannah partiu para Lisboa. E em 1941 chegou aos Estados Unidos. Hannah Arendt não falava inglês, o que dificultou seu ingresso intelectual na nova pátria. Sentiu-se discriminada, mas prosseguiu. Lutou pela vida e pela possibilidade de defender os seus irmãos semitas e tantos outros irmãos privados da liberdade ou da construção da própria história, apenas por terem nascido filhos de um povo perseguido.

Em 1951, Hannah Arendt tornou-se cidadã americana. Em pouco tempo a refugiada transformou-se na famosa conferencista que encantava os ouvintes em Harvard, Princeton e Chicago. E que voltava a Alemanha e a Paris respeitada pelos conceitos que disseminava. E o mais fascinante em sua história é que, mesmo depois de tanto sofrimento, seu grande legado foi o de considerar que a solução para a humanidade estava no “amor mundi”, ou seja, no amor pelo mundo.

Em sua obra, “A Condição Humana”, publicada em 1958, Hannah Arendt faz um retrospecto de toda a história do pensamento, desde os gregos e romanos, tentando explicar a presença do homem no mundo e o seu percurso em busca da liberdade. A liberdade que só pode ser proporcionada por um amor capaz de construir e de respeitar as diferenças. Quebrando pedras e plantando flores... Essa foi e é a marca de Hannah Arendt.

“Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história”
(Hannah Arendt)

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