sábado, 1 de junho de 2013

Confissão

Preciso confessar: tenho medo de passar pela vida sem realmente experimentar os desdobramentos mais salutares de minha capacidade de amar. Vejo as pessoas tão perdidas em suas paixões, tão fadadas ao destino trágico da solidão assim como foi o destino de Macabéa, a alagoana de ovários murchos em que Clarice Lispector soprou o ar de literatura e fez viver nas páginas de “A Hora da Estrela”.

Leitor, Macabéa morreu grávida de futuro, mas não o partejou porque não amou. Limitou-se a viver com os olhos presos no raso da vida, no presente medíocre e só. Do cais do porto não quis a possibilidade da partida, ficou somente com o aperto no coração cada vez que ouvia o sopro do navio anunciando novos destinos. Não aprendeu que amar é partir, é rumar nas venturas que nos proporcionarão encontros e crescimentos.

Preferiu permanecer com os ovários murchos, metáfora de uma infertilidade que abrange a totalidade da vida. A hora da estrela foi a hora da morte. Não havia outro desfecho possível. Macabéa não poderia chegar viva ao outro lado da avenida, pois não teria sonhos para continuar. Não teria um amor que a encharcasse de motivos e a ajudasse a suportar as dores da vida.

O amor não pode ser experimentado fora da dor... Aliás, ando pensando que a dor só tem sentido se estiver costurada na bainha do amor. O que nos faz querer ficar ao lado, ouvir o sopro do navio e aceitar os desafios da nova viagem é a certeza de termos sido eleitos: amados e amantes comprometidos pelas mesmas causas, resolvidos a querer a vida com todas as suas exigências. Os apaixonados, isto é, os que sofrem de paixão, nem sempre chegam ao final, perdem-se antes do término, morrem na travessia assim como morreu Macabéa. A paixão não costuma ter planos para o futuro. É pragmática. Já os amorosos não se limitam ao tempo presente, mas estabelecem metas que possam durar a vida inteira. Os apaixonados nem sempre são portadores de ovários férteis, tampouco costumam estar grávidos de um futuro que os faça driblar a sedução da morte prematura.


É, meu caro leitor, também tenho procurado não morrer. Tenho diante dos olhos, que é sempre um modo de encontrar, algo que necessita do meu amor. O desafio é não ser como a Macabéa, a quem faltou coragem. Não posso simplesmente ouvir o anúncio de novos destinos; é preciso ter forças para caminhar em direção aquilo que irá me proporcionar crescimento. É como deve ser.

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