sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Fragmentos

Foto: Armando Farrera

Há tantas formas de amar e todas elas, quando autênticas, belas. A tal ponto que o mestre da patrística, Santo Agostinho, dizia que quem quisesse fazer o correto deveria primeiro amar, depois poderia fazer qualquer coisa, mas amar verdadeiramente.

Amar não é possuir, muito menos destruir; amar não é usar e desprezar; amar não é exibir. Não! Amar é experimentar o bom e o belo, como queria Aristóteles, numa harmonia que se aprendia e se vivia. É como tocar piano, só se aprende tocando e só se aprende querendo. Amar se aprende amando e querendo. Não há como impor ao outro a obrigação de amar, há como testemunhar no silêncio feliz de uma escolha acertada ou nos dizeres simples de uma vida vivida corretamente...

O amor feito canção nas mãos do cirurgião Adib Jatene que cuidou do poeta Thiago de Mello e que dele recebeu essa oração:

“A vida sempre foi boa comigo... Quando soube que o meu coração estava carregado de sombras e que ele só se alimentava de luz abri uma janela no meu peito para que por ela possam entrar o resplendor do orvalho, o fulgor das estrelas e o invisível arco-íris do amor”.

O amor que é invisível quando se esconde na abstração das metáforas, na metafísica, na composição muda do não-dito, mas que é visível na escritura de Rachel de Queiroz:

“Eu era uma moça magrinha. Minha mãe tinha muito medo de que eu ficasse tísica e me proibia de dormir tarde, assim escrevi ‘O Quinze’ às escondidas. Depois que todos dormiam, de barriga no assoalho, em caderno de escola, à luz de lampião”.

Ou ainda nos dizeres de Madre Tereza de Calcutá:

“Não sou nada, sou apenas um instrumento. Um pequeno lápis nas mãos do Senhor com o qual Ele escreve aquilo que deseja. Por mais imperfeitos que sejamos Ele escreve magnificamente”.

Um lápis nas mãos do Senhor, amigo. Você gosta dessa definição? Não creio que Madre Teresa quis usá-la ao pé da letra, mas em exercício do amor feito serviço.

Costumamos incutir a Deus a responsabilidade pelas escolhas dos homens. Há quem faça isso se valendo do preceito de que não cai uma folha da árvore sem que Deus queira. Parece-me que o correto é sem que Deus saiba, não sem que Deus queira. Ou estou errada? A onisciência divina faz com que Ele tenha consciência de tudo que se passa nas escolhas humanas, mas Ele respeita essas escolhas, senão não seríamos humanos e máquinas é o que não somos.

O destino, como uma linha desenhada por Deus, sem que tivéssemos possibilidades diferentes das planejadas seria o reducionismo da inteligência humana. Como disse Sartre, estamos condenados a liberdade – liberdade e destino não combinam. Escolhemos, portanto, a nossa história e somos os responsáveis pelos erros e acertos. Somos um lápis nas mãos do Senhor quando decidimos fazer as coisas como se Ele as fizesse. É esse fascínio que Ele exerce sobre nós e que resgata a capacidade de amar que nos faz entender que as dores pelas quais passamos por um amor não amado vão cicatrizar. Um dia o amor enlouquecido vai embora da mesma forma que veio, o importante é permanecer inteiro como um lápis ou como uma flauta de bambu na oração do poeta indiano Tagore:

“Senhor, que a minha vida seja reta como uma flauta de bambu”.

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